Por Paulo Dourado
A resiliência neste setor conta-se pelo número de “Drupas” em que se marcou presença: “Esta é a minha terceira!”; “a minha primeira foi em 2004”, até que alguém diz “venho ininterruptamente desde 1982”. Fim da conversa.
Drupa. Uma palavra mágica para quem trabalha ou, de alguma forma, está ligado ao setor gráfico. A feira realizou-se pela primeira vez em 1951, desde sempre na Messe de Dusseldorf. De quatro em quatro anos, o certame marca o ritmo da indústria para o próximo quadriénio. Uma espécie de ciclo olímpico da indústria gráfica.
Drupa. Um mistura de “Druck” (impressão) e “Papier” (Papel) é tudo isso, mas não só. O objetivo é, ainda em 2024, o de colocar imagem com a melhor qualidade possível, à maior velocidade possível, com o custo mais baixo, num suporte físico. Sim, maioritariamente papel, mas não apenas.
Cheguei a Düsseldorf num voo cheio, proveniente de Lisboa. O dia nublado, bem mais frio do que na tórrida Lisboa, a Babilónia da Europa. Não me entendam mal. Adoro a minha Lisboa, cheia de cor, cheiros e pessoas diferentes, animada por uma turbe de visitantes, mais ou menos demorados, que lhe enchem as ruas e lhe dão o movimento perpétuo que se havia perdido nos anos noventa do século passado. Assim é a Messe de Düsseldorf: um espaço de exposição, com 19 pavilhões, dos quais 17 foram ocupados pela Drupa, com um total de mais de 160.000 m2. Para termos um termo de comparação, os 4 pavilhões da Fil, em Lisboa, têm no seu conjunto 40.000 m2. A edição de 2024 continua a ser eclética, cheia de pessoas dos quatro cantos do mundo. Claramente, uma forte comitiva asiática, mas nos corredores ouve-se falar muito português. Com sotaque do outro lado do Atlântico, óbvio.
Muito se lê e já se escreveu na imprensa especializada (incluindo na revista T&G) sobre as principais novidades que os diferentes fabricantes anunciaram para esta edição. A experiência diz-me que, contudo, é durante o tal ciclo olímpico de que vos falava, que as tecnologias apresentadas se vão cimentar no mercado, habituado a separar o trigo do joio. Neste artigo, o meu objetivo é apenas o de deixar ao leitor uma opinião muito pessoal de alguém que trabalha com e nesta indústria há mais de 20 anos e que já tem no currículo 6 edições da Drupa.
Confesso que as expectativas eram elevadas. Depois de a Pandemia ter também cancelado a edição de 2000, o ciclo de 4 anos anos estendeu-se para o dobro. Em 2016, falava-se na indústria 4.0, a embalagem começava a surgir como um mercado para onde as empresas do setor começavam a olhar com atenção, a impressão digital a jato de tinta ganhava novos formatos, as soluções de acabamento em linha ganharam expressão para esta tecnologia. Entre os principais expositores estavam a Xerox, a Agfa e a Man Roland. A Koenig & Bauer ainda era KBA. A Landa apresentou a S10, mas ninguém se podia aproximar dela. Nanotecnologia aplicada à impressão.
O que aconteceria passados oito anos?
Ao fim de 6 edições (a minha primeira foi em 2000), já me atrevo a deixar alguns conselhos para os visitantes menos habituais ou para aqueles que vão a Düsseldorf pela primeira vez.
1 - Faça primeiro uma ronda por todos os pavilhões
Sim, é cansativo, porque são alguns quilómetros a andar, logo no primeiro dia. Mas é fundamental ficar com uma “fotografia geral”, perceber onde estão as marcas que quer visitar com mais cuidado, como está arrumada a feira, onde voltar nos dias seguintes. Se é um empresário, todos os expositores vão querer a sua atenção em exclusivo e se se detiver à conversa vai dar por si a “perder tempo” fundamental para o resto da visita. Acene apenas nesta primeira, acelere o passo e diga a quem encontrar que vai voltar. Não marque hora, porque provavelmente não vai conseguir cumprir. Mas eles estarão lá à sua espera.
A Drupa está organizada por tecnologias e nacionalidades: nos primeiros 7 pavilhões irá encontrar alguns dos grandes expositores europeus, normalmente os espaços mais caros. A grande novidade, para mim, foi encontrar aqui já alguns asiáticos, principalmente chineses, com stands bem concebidos. O pavilhão 8, que está dividido em dois, 8a e 8b, tem os expositores “digitais”: Canon, Fujifilm, Ricoh, Konica Minolta, etc). Entre o 9 e o 16 vai encontrar a maior concentração de fabricantes asiáticos. Não é que a presença destes tenha aumentado muito em número em oito anos: mesmo assim, passaram de 470 em 2016 (num total de 1828 expositores) para 506 (em 1837). Mas a área ocupada é perceptivelmente maior. A fechar a feira, a HP ocupa praticamente na sua totalidade o pavilhão 17.
2- Privilegie a entrada Norte
A Messe Düsseldorf tem basicamente 3 entradas: Sud (que lhe dá acesso ao pavilhão 1 e/ou 17), a Ost e a Norte (pavilhões 8a/8b e hall). Aconselho esta última porque é a estação terminal do metro (U-78). Quando sair, venha também por aqui. Se for apanhar o U-78, comboio que o leva ao centro da cidade, para aqueles que conseguiram alojamento em Dusseldorf, irá ser dos primeiros a entrar nas carruagens. Na entrada/saída Sud já vai apanhar as composições praticamente cheias, principalmente na hora de encerramento da feira (às 18h, sendo que sábado e domingo encerra às 17h).
3 - Planeie a sua visita
Estude o mapa do recinto. Depois de ter feito aquela primeira ronda, aproveite para descansar num dos diversos locais espalhados pela feira. Se ainda não o fez, instale a aplicação Drupa. É mais fácil identificar os pavilhões e onde estão localizados os stands que quer visitar. Provavelmente, já é hora de almoço. Nos dias em que estive em Dusseldorf, de 27 a 31 de maio, logo nos primeiros, a feira estava com muita gente, mas longe das avalanches do passado (em 2008 foram mais de 390.000). Circula-se com relativo à vontade e as filas nos restaurantes e roulotes de comida rápida (salsichas, claro) não são longas. Provavelmente, a política de preços da organização condicionou o acesso. Apesar disso, a APIGRAF – numa parceria com a Drupa – conseguiu obter códigos de desconto em exclusivo para os seus associados, de até 46% sobre o (exorbitante) preço de venda ao público. Foram cedidos quase 250 códigos de entradas o que demonstra, mesmo assim, que o público nacional está interessado em ir à Alemanha.
4 - Organize uma visita de 3 dias
É o tempo médio mais comum para visitar a feira. Um dia é curto, 5 dias é para quem tem uma agenda já definida, que inclui mais do que a mera visita ao certame. No primeiro dia na feira (provavelmente chegou na véspera, mas não vale a pena ir à Messe gastar uma entrada para meia-dúzia de horas), para além da volta geral que recomendo e lhe ocupará certamente a manhã inteira, faça na parte da tarde uma escolha de 3 ou 4 pavilhões para ver com maior detalhe. Não parecendo, mas a feira está organizada em “circulo”, senão vejamos:
De sul para norte, temos do lado esquerdo os pavilhões 1, 3, 4, 5, 6, 7A e 7B; do lado direito, os pavilhões 17, 16, 9, 10 e 11. Ao norte, a fechar o circulo, o hall e os 8A e 8B. Por isso, escolha um dos lados. Não vai conseguir ver com atenção mais do que 3 ou 4 pavilhões.
No segundo dia, e uma vez que seguiu a minha recomendação e entrou pelo lado Norte, visite de manhã os 8A e 8B. Provavelmente terá tempo para dar uma passagem no hall e nos 7A e 7B. Da parte da tarde, visite o lado que ainda não visitou: os 1 a 7 ou os 9 a 17.
Ao terceiro dia, provavelmente terá apenas meio-dia, uma vez que será o dia do voo de regresso. É a oportunidade para ver com maior detalhe os stands que lhe chamaram mais atenção ou falar com um ou outro expositor, com quem combinou alguma reunião.
De sul para norte, temos do lado esquerdo os pavilhões 1, 3, 4, 5, 6, 7A e 7B; do lado direito, os pavilhões 17, 16, 9, 10 e 11. Ao norte, a fechar o círculo, o hall e os 8A e 8B. Por isso, escolha um dos lados. Não vai conseguir ver com atenção mais do que 3 ou 4 pavilhões.
No segundo dia, e uma vez que seguiu a minha recomendação e entrou pelo lado Norte, visite de manhã os 8A e 8B. Provavelmente terá tempo para dar uma passagem no hall e nos 7A e 7B. Da parte da tarde, visite o lado que ainda não percorreu: os 1 a 7 ou os 9 a 17.
Ao terceiro dia, provavelmente terá apenas meio-dia, uma vez que será o do voo de regresso. É a oportunidade para ver com maior detalhe os stands que lhe chamaram mais atenção ou falar com um ou outro expositor, com quem combinou alguma reunião.
5 - Utilize a rede de transportes públicos de Dusseldorf
Apesar de a maior parte da informação impressa estar em alemão, se não dominar a língua, não se preocupe. É relativamente fácil usar a rede de comboio e metro em Dusseldorf. Os bilhetes são adquiridos ou nas máquinas (vermelhas) nas estações ou dentro das próprias carruagens. O metro (que a partir de uma determinada altura é de superfície até chegar à feira) é identificado pela letra U (U-Bahn), enquanto os comboios urbanos têm a letra S (S-Bahn). As linhas que servem a feira são a U-78 e a U-79.
Outras estações a considerar: Dusseldorf Hauptbahnhof (HBF), a estação central e a a Heinrich-Heinz-Allee que é onde quer sair se for experimentar o famoso joelho de porco (“Eisbein”) a Altstadt (literalmente “cidade velha”), a zona de Dusseldorf onde se situam as famosas cervejarias, com a exclusiva cerveja Altbier, de cor âmbar e sabor maltado e leve.
As minhas impressões de 3 dias na Drupa
Uma indústria centenária, um setor maduro, que existe como tal desde que Gutenberg inventou a sua máquina de tipos móveis por volta de 1440, que organiza uma feira física ao fim de 19 edições (espero não me ter enganado nas contas) e que, em pleno século XXI, ainda consegue juntar mais de 1800 expositores e mais de 300000 visitantes… é obra.
E que ainda faz jus ao nome, porque o que está aqui em causa é impressão e (maioritariamente) papel.
Muitos vaticinaram o fim das feiras e exposições ao vivo e a cores, depois da Pandemia. Muitos disseram que a Drupa já mais se realizaria nos mesmos moldes depois do cancelamento em 2020 e da “Drupa Virtual” em 2021 (alguém se lembra?!). Está aqui a resposta. “Até 2028”.
PRIMEIRO: O setor está vivo e recomenda-se
Uma indústria centenária, um setor maduro, que existe como tal desde que Gutenberg inventou a sua máquina de tipos móveis por volta de 1440, que organiza uma feira física ao fim de 19 edições (espero não me ter enganado nas contas) e que, em pleno século XXI, ainda consegue juntar mais de 1800 expositores e mais de 300.000 visitantes… é obra. E que ainda faz jus ao nome, porque o que está aqui em causa é impressão e (maioritariamente) papel. Muitos vaticinaram o fim das feiras e exposições ao vivo e a cores, depois da Pandemia. Muitos disseram que a Drupa já mais se realizaria nos mesmos moldes depois do cancelamento em 2020 e da “Drupa Virtual” em 2021 (alguém se lembra?!). Está aqui a resposta. “Até 2028”.
SEGUNDO: o mapa mudou
Como já referi, os expositores asiáticos cresceram em área ocupada. Não tenho os números oficiais, mas é fácil constatar isto. Já não apenas instalados em pavilhões específicos (embora maioritariamente ocupando vários), mas também já nos principais, misturando-se com os fabricantes tradicionais. Algumas presenças clássicas desapareceram ou encolheram e muitos nomes asiáticos (com nomes mais ou menos “europeus”) surgiram.
TERCEIRO: automatização
No ano passado, estivemos numa conferência de imprensa de um grande fabricante europeu de equipamentos. Durante a mesma, o CEO da empresa dizia que se estavam a confrontar com o mesmo problema das empresas gráficas: escassez de mão de obra e já não apenas da especializada. “Simplesmente, não conseguimos arranjar pessoas para trabalhar na industria”. “E como resolvem o problema?”, perguntou alguém da plateia de jornalistas. “Automatizando todos os processos que conseguirmos”. Para mim, esta é a principal “novidade tecnológica” da Drupa 2024. Automatização por todo o lado: máquinas de offset com alimentação automática de chapas, tinta e matéria-prima, máquinas de impressão de grande formato plano com alimentação automática de enormes placas de cartão, robôs que movem a matéria-prima de um lado para outro, afinações e correções na impressão com sensores electrónicos que fazem as correções automaticamente e sistemas de inteligência artificial que até manutenção preventiva já fazem. A produção automática, a tal “indústria 4.0” de que apenas se falava em 2016, está aí. 4 anos cimentaram a tecnologia e a fábrica inteligente é hoje uma realidade.
QUARTO: fim da “guerra” offset vs digital
Durante muito anos, ainda antes de 2016, em todas as conferências de fabricantes de impressão digital ouvíamos dizer que o digital era o (único) futuro, à medida que a rentabilidade dos equipamentos se ia aproximando das tiragens do offset. Claro que os fabricantes de offset diziam o contrário. Ao longo do tempo, esta dicotomia foi-se esbatendo. Sempre antecipei, pessoalmente, que o futuro passaria por equipamentos híbridos, aproveitando o que de melhor cada uma das tecnologias tem para oferecer. Na Drupa deste ano vi dois ou três equipamentos que me chamaram à atenção e que, pela primeira vez, são verdadeiros equipamentos “híbridos”, juntando a impressão digital à tecnologia offset. Mas também vi equipamentos puramente digitais, para diferentes aplicações, e máquinas tradicionais de offset (completamente “automatizadas” e “informatizadas”, é certo), para as mesmas ou outras.
QUINTO: imprime-se em (quase) tudo
Se já pensou nalgum produto físico que pudesse ser impresso, então é porque já existe tecnologia para isso. Mas o cliente não quer saber qual a tecnologia usada. Quer um produto com a maior qualidade, que seja produzido no tempo mais curto e ao melhor preço. E nestes 17 pavilhões não tenho dúvidas que irá encontrar a tecnologia que permite fazer isso. E quais os mercados que estão a crescer e a diminuir? Não é uma pergunta fácil de responder e terá certamente abordagens diferentes dependendo de a quem se pergunta. Claramente, o comércio eletrónico ganhou um “boost” pós-pandémico e, com ele, tudo o que sejam produtos gráficos associados. O que há são novas formas de vender que trazem, com elas, novos produtos e recuperação de outros que estavam em declínio no comercio tradicional. Quem souber acompanhar e antecipar essas tendências voltará em 2028 com um sorriso nos lábios.